domingo, 12 de dezembro de 2010

SAUDAÇÃO A TAMANDARÉ (JOAQUIM MARQUES LISBOA)


Treze de dezembro de mil oitocentos e sete. Como se ainda pudéssemos recordar o vê-lo brotar dos albores da Independência do Brasil, aqui estamos para trazermos nossas saudações, ou melhor, repeti-las. Quis o destino que ele viesse à luz nessa data tão significativa, abandonando-nos depois, cônscio de nos haver legado preciosos indicativos de sua solidária sabedoria. Nós, da Marinha, nunca nos cansamos de ouvir sobre suas idéias e realizações: navios em embarcou, aqueles que comandou, missões cumpridas, audácia e efetividade em operações de guerra e a presença sempre arriscada e revestida de êxito em operações de socorro e salvamento que soube conduzir.

Fora de sua principal paixão, o mar, ele também brilhou no ambiente imperial, conforme o título de Marquês recebido e funções correlatas que lhe foram atribuídas. Na data baseada em seu nascimento, sabemos que o mais respeitoso e agradável que lhe podemos oferecer, junto com esta saudação, são os votos de que siga em paz o “Velho Marinheiro”. Em paz, sim, mas sempre por nós lembrado. “Máquinas a Meia Força Adiante”, Almirante Tamandaré.

P.S. Antes de falecer, Tamandaré declarava que não desejava um enterro pomposo, somente uma cova rasa “em que um velho marinheiro pudesse descansar.” Morreu em 20/03/1897.

domingo, 21 de novembro de 2010

BOTAFOGUENSE PRIVILEGIADO

Meu encontro com um dos maiores ídolos da história do Botafogo aconteceu quando ainda freqüentava o jardim de infância. Na época, morava em São Paulo e estava de férias com meus pais no Rio. Fomos visitar o escritório de um amigo de meu pai. Subíamos no elevador em um prédio na Avenida Rio Branco, rumo ao último andar, quando entraram quatro homens, entre eles Heleno de Freitas, que eu conhecia através do radio e fotos nos jornais. Eu estava com um escudo do então Palestra-Itália, que logo chamou a atenção do jogador. Sempre elegante e comunicativo, com a mão nos meus ombros, foi logo dizendo:
– Pessoal, olhem só para cá, o rapaz aqui é torcedor do Palestra, de São Paulo.

– Rapazinho – continuou Heleno dirigindo-se a mim – Você tem que ser Botafogo. O que é que acha disso?

Mal reiterei minha condição de palestrino, ele interrompeu:

– Nada disso, a partir de hoje você vai ser botafoguense, sou eu que estou mandando, ouviu?

Eles saíram em seu andar, enquanto Heleno acenou para mim e disse:

– Olha aqui, você agora é Bo-ta-fo-go, entendeu?

A porta acabou de fechar lentamente e eu e meus pais subimos ao último andar.  Não seria preciso dizer que, daquele momento em diante, eu passei a ser botafoguense de “carteirinha”.

QUEM FOI HELENO DE FREITAS?

Uma verdadeira lenda que fez parte do seleto grupo de brasileiros que foram famosos atletas do futebol mundial no passado mais antigo e naquele um pouco mais recente, como Friedenreich, Leônidas da Silva, Ademir, Pelé, Tostão e tantos outros. Nasceu em 1920, em Minas Gerais, filho de família de classe média alta. Frequentou a alta sociedade do Rio de Janeiro, tendo começado a jogar na praia, onde foi descoberto pelo ativo Neném Prancha e introduzido no futebol profissional, chegando ao time do Botafogo em 1937, vindo a ser o substituto do famoso Carvalho Leite, na posição de centroavante. Tornou-se, na época, preferido da torcida alvi-negra, ao mesmo tempo em que fez parte do Clube dos Cafajestes, famoso em Copacabana, na rua Miguel Lemos e arredores. Tornou-se notável pela elegância com que se vestia, bem como pela dificuldade no trato.

Heleno jogou em diversos clubes em sua carreira, nunca deixando partir-se o amor que o amarrava ao Botafogo, onde, em sua passagem, marcou 209 gols em 235 partidas, tornando-se o melhor e maior artilheiro da história do clube, embora não tenha conseguido ganhar um campeonato, ao menos. Jogou no Vasco, Fluminense, Boca Juniors, Atlético Junior e passou ligeiramente pelo Flamengo e América. Recorde-se que no Flamengo e no América, mal entrou já estava saindo, por respectivamente, num jogo técnico de teste, ter arrumado confusão com os companheiros, e por, no jogo contra o time de Campos Salles, ter sido expulso de campo no primeiro tempo e não haver voltado mais (aconteceu no Maracanã). Manifestava-se já o mal que o afetava e o levava a fazer muitos inimigos, tendo chegado ao extremo do abandono e até à mendicância. Por fim, em 1953, com o apoio de sua família, foi internado num sanatório em Barbacena (MG), onde ficou até falecer, em 1959. Sua esposa, Ilma, fugira para Petrópolis em 1952, levando consigo o único filho, por não mais suportar o temperamento de Heleno.

Mas as glórias conquistadas por Heleno, essas sim passaram para a história através, entre outros, de uma estátua que será erguida no Engenhão (RJ), onde já existe estátua de Nilton Santos, Garrincha e Jairzinho. Em Barraquilha, na Colômbia, há uma estátua de Heleno com a inscrição “El jogador”.

Em 2011, será lançado o filme nacional sobre Heleno de Freitas, tendo como realizador José Henrique Fonseca e no papel do próprio Heleno, Rodrigo Santoro. Aline Moraes interpretará sua esposa Ilma. Imperdível!

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Volta ao porto

Venho de longe, de infinitos mares,
De lá, muito além de onde vês, distante e vago
O crespo encontro deste mesmo verde
Com as brumas perdidas do horizonte.

Venho das enormes vagas, de um outro mundo,
Para onde, só em raro, daqui,
Desta calmaria de ruas e guindastes,

Do aconchego sereno de teu leito solitário –
Intimidade morna entre cetins – alçam vôo anseios e inquietudes,
Na busca dos semoventes caminhos que percorri.

Tenho, na pele e nos cabelos, a salsugem da aventura,
E, no corpo, o eterno balanço que as renovadas marcas
Da vida que há em cada travessia.

Trago comigo colhidas nas noites de vigília e sonho,
Qual pedaços das estrelas que me guiaram o rumo,
Histórias novas, de um nunca terminar.

Junto a ti venho depositá-las
E, assim, forrar de amor e poesia
Os remansosos momentos da bonança
Que redime os náufragos que ambos somos,

Das mil tormentas cruas, primitivas,
Efêmeras, bacantes de encanto louco,
A resgatar-nos sempre do limbo das ausências,
A cada reencontro de nós dois.

Sergio Queiroz

sábado, 25 de setembro de 2010

AOS QUE INICIAM A CARREIRA NAVAL (ASPIRANTES DA TURMA DE 51)

Que as palavras ora proferidas sejam mais do que uma saudação a vocês. Queremos que elas sirvam também como recomendações valiosas para a vida na Marinha.

Acabamos de assistir à sua entrada pelo túnel que leva até a parte mais alta da ilha de Villegaignon, os arredores do também histórico Páteo Saldanha. Ali, durante alguns anos, estarão vocês, seus corações e suas idéias; ali estará também o rústico e pesado túnel por onde sua curta marcha passou, comparável, pela grandeza que possui, à solidez e às crenças que serão apresentadas por seus instrutores, em cumprimento aos currículos escolares que aqui se utilizam e são constantemente renovados.

Vamos tratar, inicialmente, das fardas que receberam e passarão a vestir, cada uma com suas utilidades e valores representativos. Levarão elas consigo o respeito que deverá impor o seu uso. Honrá-las será sua obrigação constante, ao longo dos anos em que as vestirem.

Ligados ao uso cuidadoso do uniforme estarão sempre o respeito e obediência às ordens de seus superiores hierárquicos e o trato cordial e justo com os “mais modernos” que vocês. Lembrem-se sempre, porém, que o relacionamento militar depende de forma vital do correto uso de sua capacidade de liderança e da atenção que deve ser conferida ao futuro profissional, à carreira, e até à vida dos subalternos com quem lidarão em serviço.

Outra determinação a passar-lhes hoje é a de sempre seguir os bons exemplos. Aqui nesta Escola há inúmeros militares de excelente gabarito, cuja ação em serviço é francamente identificável. Imitá-los, sem perder sua personalidade própria, é dever daqueles que estão aprendendo.

Poderia eu prosseguir enumerando e citando muito mais recomendações e observações pertinentes a pontos básicos do cumprimento de regras de procedimentos da Marinha. Hoje, entretanto, ficamos por aqui.

Há, nos currículos de nossos cursos, instruções detalhadas que lhes serão apresentadas por instrutores de experiências vividas. Caberá a eles colocá-los inteiramente a par do que interessa, no devido tempo. Há, porém, algo a que desejo referir-me agora e finalizando minha conversa com vocês. É a conclusão que, mais cedo ou mais tarde, se fará evidente a cada um: “O navio tem alma e é a razão de ser de minhas preocupações”. E se alguém estranhar o que você afirma, apenas lhe diga que foi a vida que lhe contou.

Acho que consegui deixar clara a conclusão do que acabei de lhes falar: para o êxito naval nas diversas missões que lhes competirem, é fundamental a eficiência do binômio constituído por ambos, homem e navio, numa sólida união que componha, hoje em dia, um ingrediente tecnológico que assegure o atendimento dos propósitos desejados, em ritmo operacional moderno.

Ao trabalho, pois! E tudo para uma digna, longa e profícua carreira. Viva a Marinha!

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

ANTIGA ESCOLA DE APRENDIZES

Não era festa. Nem mesmo um preparativo de festa. Mas um nordestino ou bom conhecedor do Nordeste, mesmo de olhos fechados, poderia afirmar com segurança que aqueles aglomerados e compridas filas de jovens mostravam cenas que todos os anos, nas mesmas épocas, significavam atividades dos exames de admissão às Escolas de Aprendizes de Marinheiro. Não somente das temidas provas escritas e desportivas, mas também dos procedimentos de inscrições, preenchimentos de listas de informações e comparecimento a exames físicos e médicos, etc.
Desde os povoados distantes afluíam candidatos esperançosos, que se juntavam ao “povo” das capitais e cidades grandes como Recife, Salvador e muitas outras, todos atraídos por colocar em seus futuros aquela vontade de servir e fazer carreira da Marinha do Brasil.

Havia, dentro da burocracia usual, porém, uma folha a ser preenchida pelo candidato e destinada à recomendação do mesmo, atestada e rubricada por uma autoridade. Em tal processo via-se escrito, mais ou menos, o seguinte: “Recomendo a aceitação do candidato em epígrafe, caso aprovado quando avaliado. Opino favoravelmente quanto à sua idoneidade moral e sanidade mental – assinado por um Oficial de Força Armada, Juiz, Sacerdote, Delegado de Polícia ou detentor de cargo político/público, aqui especificado no espaço em branco”.

Naquela manhã específica que justificava nossa história, porém, o sargento Severino empunhava, para a vista de seu chefe, o Tenente Abreu, o modelo de documento no qual estava assinada a recomendação dirigida ao Comandante do Distrito Naval. Acabara de mostrar ao superior uma rubrica que se referia à anuência de um certo Juiz de ... futebol da Federação Pernambucana, o qual recomendava o ingresso na Escola de um certo candidato da terra. O auxiliar de secretaria Severino mostrava que o papel que lhes estava dirigido não podia ser avaliado, pois o candidato entendera que o Juiz ali mencionado podia ser o conhecido árbitro das canchas pernambucanas e, por outro lado, seu único signatário. Embora o desempenho, nos exames, do afilhado do Juiz alcunhado de “Dr. Watson”, fosse impecável, ele era o único informante que assinava o documento, fazendo, assim, o papel do que constava das instruções impressas. O que fazer então? O Tenente mandou que o Sargento se comunicasse com o árbitro, para que este comparecesse à Escola e esclarecesse melhor o assunto, no sentido de verem o que poderia ser feito para aproveitar o candidato a aprendiz José Amâncio.

De fato, pouco depois o Juiz chegava e, com inesperada verve, confirmava a indicação constante do papel. Aproveitando a presença do famoso árbitro, passaram o restante da tarde conversando sobre episódios do futebol pernambucano.

Hoje, passados tantos anos, o candidato a aprendiz daquele dia ostenta as merecidas insígnias de Capitão-Tenente da Marinha. E o “Dr. Watson” fez justiça às condecorações que, mais que a popularidade, no modesto caso, na verdade conhecido de poucos, o favoreceu junto às torcidas, exceto, é claro, quando uma decisão sua de gramado era tida como prejudicial.

domingo, 12 de setembro de 2010

MANOBRAS SIMPLES E SEGURAS (APARENTEMENTE)

Quando se fala em manobra perigosa, o assunto não diz respeito, necessariamente, a operações que envolvem grandes e notórios riscos. Qualquer manobra tática deve ser sempre encarada com seriedade pelo responsável, normalmente o Comandante, para que não haja danos e perdas ou outros problemas inesperados que influam nos procedimentos necessários de prevenção e/ou contenção de perigos.

Aconteceu comigo. Foi num período em que a economia de combustível era seguida e requerida; os exercícios dos navios da Esquadra eram programados com foco operacional no que devia ser evitado, como deslocamentos a grande velocidade e a ida a portos longe da sede, que fica no Rio de Janeiro. Assim, numa semana de exercícios nas imediações de Cabo Frio, os navios eram obrigados a intervalos noturnos, permanecendo parados em pontos de fundeio. Também não devia ser programada a ida a portos ou outros pontos de terra que demandassem gasto não desejável de óleo. Foi um período em que se ia, no Sul, à Ilha Grande, ou, no máximo a Santos; e, no Norte, Vitória ou Salvador. No exercício que vínhamos fazendo, a determinação, para ser mais resumido, era de que fundeássemos, às tardinhas, e passássemos as noites parados, nos arredores marítimos de Cabo Frio.

De fato, para lá fomos ao pôr do sol, porém sob um vento que boa coisa não prenunciava. Nossos três navios logo fundearam nos pontos designados, junto à terra, de tal modo que as popas ficaram a cerca de cem jardas das pedras. O CT Maranhão aproava à entrada de uma frente fria que chegava do Sul. E o nome do local em que estávamos é Enseada do Forno.

Então, com o passar do tempo, começou a aumentar o número de barcos de pesca, na mesma área em que estávamos, todos vindos de alto mar para buscar abrigo junto a nós. Se fosse necessário, de uma hora para outra, sair dali, os nossos navios iriam ter muita dificuldade, pela escassez de espaço. Por volta da meia noite, a amarra dizia francamente para vante e era visível que nossa popa (minha, do CT Maranhão) ia dar nas pedras se nada fosse feito. Resolvi, embora relutante, suspender, junto com os outros dois navios do Grupo-Tarefa, achar caminho em rumos que nos propiciassem saída, entre os pequenos, para depois ganhar (se Deus quisesse) o alto mar.

Foi altamente estressante e durou uma eternidade, mas conseguimos. Contamos com a boa vontade de dois dos pesqueiros, que também suspenderam para auxiliar nossa passagem. Mesmo assim, passamos raspando (sem bater!) algumas vezes. Quando nos vimos fora da enseada, só não suspiramos de alívio porque a adrenalina ficara muito alta, só se desfazendo com a promoção de eventos do dia que se seguia.

Lição do acontecido: manobra do navio é trabalho para gente grande e calma, verdade que nos pode incluir como preparados, naquela época.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

SÃO PAULO: A CADA VEZ QUE AQUI ESTOU...

A cada vez que aqui estou, venho buscar-me menino
e, assim, ansioso, garimpo no concreto do presente,
atrás de espaços e momentos vivos que se foram.


Procuro esses raros e preciosos mosaicos e os encontro.
Logo vejo que são fragmentos, pedaços do tempo eterno,
a espantar-me com o encanto vivo que trazem
das próprias origens renascidas.

A cada vez que aqui estou, domino, temerário,
a magia de reabrir, em suaves farfalhos, pesados e reposteiros.
Faço entrar a luz primeira e desperto de seu sono,
por instantes, pessoas e imagens
colhidas nos átimos que as fizeram perenes.

A cada vez que aqui estou, vislumbro, em êxtase,
velhos desvãos que encerram vivências antigas.
Capto, umedecido, passados véus de garoas peregrinas,
cinzentas e frias, nas tardes infinitas do princípio.


Percorro, ainda, velho forasteiro feito criança,
alamedas de fecundos verdes, cheias de sol e fresco brilho,
nas convalescentes manhãs da infância, em que –
disse o poeta ungido – morrer seria pecado.

Tudo renasce por encanto e logo se esvai,
surge só para dizer que existe e, a seguir, fenece.
Vive, enfim, a breve vida de uma eternidade suspeitada,
ante o viageiro que procura e anseia,
que busca nas raízes aconchego e redenção,
a cada vez que aqui estou.


Sergio Queiroz

domingo, 22 de agosto de 2010

INÍCIO DO ANO LETIVO - PERCENTAGEM DE NATAÇÃO

O início do ano letivo na escola naval (EN), na época chamado de “Curso Prévio”, foi dura amostra do que, dali por diante, nos iria ser determinado: extenso trabalho de adaptação e cumprimento das regras existentes.

A alvorada foi um expressivo começo: toque de corneta e acompanhamento de tambor às cinco e meia da madrugada, ordens verbais através do sistema de fonoclamas, a abrangerem uniforme, preparação para o “marche-marche”, café da manhã e aula de natação só para os que nadavam pouco ou nada – o que era o meu caso. Fiquei sabendo que era dado apelido de “afogado” a todo aquele a quem destinava as aulas de natação básica. Naquela tenebrosa manhã, embora ainda fosse quase noite, conheci a piscina, cuja água era salobra. Conheci também o professor de natação, o Sr. Soledade, cujos modos truculentos – vimos depois – abrigavam excepcional coração e camaradagem no trato com os aspirantes “afogados” de nossa turma, o que proporcionou uma grande amizade, que veio mais tarde, com aquele senhor grisalho de corpo atlético.

Soledade sempre andava com um inseparável caderno, onde deveria anotar faltas e observações gerais de seus alunos, levando-as ao conhecimento do Departamento Escolar. Na realidade, porém, raramente precisava levar ao conhecimento do Departamento tais observações, sabendo resolver os problemas, contornando-os, para evitar prejuízo no grau de oficialato que todos poderiam sofrer. Mas, naquele dia, aterrorizou-nos ser recebidos por um desconhecido, postado junto a um dos trampolins da antiga piscina, à nossa espera, com o famoso caderno sob o braço musculoso, apesar de seus cinqüenta e poucos anos.

Preocupo-nos, mais ainda, tomar conhecimento, naquele dia, de que, ao final de todo o curso da Escola, entre as provas, havia uma, chamada de Percentagem de Natação, que consistia em nadar 200 m num tempo indicado. Quem não preenchesse o requisito mínimo iria, simplesmente, para a rua, ou seja, perderia o esforço todo de cerca de 3 anos.

Mas nem esta ameaça, a preocupar todos os “afogados”, impediu que eu colocasse em prática um plano de não comparecer a algumas aulas de natação: após verificação, sairia sorrateiramente, entre os prédios da administração, regressando ao meu camarote no 5º andar. Foi um absurdo engano, porém, pensar que Soledade não notaria meus eventuais golpes, que também passaram a ser praticados por outros “afogados”.

Num dia em que tratava do assunto “salvamento”, eu disse uma tolice, que motivou inesperada reação do professor, ao dizer-me à frente de todo o grupo: “Seu Queiroz, nunca tente salvar ninguém, senão vão os dois para o beleléu!”. Convidou, em tom de troça, eu e os demais faltosos a falar com ele após a aula. Na conversa que teve conosco não houve troça nenhuma. O que disse nos fez termos vergonha das deslealdades que havíamos cometido e prometermos que não as repetiríamos mais. Não cumprimos todos os conselhos recebidos, mas para ele isto foi suficiente. E para nós também, pois conseguimos passar na porcentagem. É com grande honra que peço um Bravo Zulu (salva de palmas) para o Sr. Soledade, o instrutor cuja palavra corretiva vinha do coração com força moral superior a qualquer punição

terça-feira, 17 de agosto de 2010

MINHA EXPERIÊNCIA DE VIDA

Se aquela música diz que recordar é viver, o que pensar, então, do não conseguir perfeita lembrança de coisas e fatos?

Pode-se dizer que, neste caso, o que fica e pode, ainda que parcialmente, ser objeto de alguma lembrança, adquire muita importância. Isto é o que sinto na experiência de vida, cujo relato proponho-me a tentar nestas poucas linhas.

Primeiramente, surge minha terra, a cidade de S. Paulo dos anos 30, num cantinho da qual nasci (Aclimação) numa madrugada de densa chuva e ao alvorecer da revolução de 1932.

Andando, correndo e jogando bola naquelas ruas com nome de jóias, passei cerca de 15 anos inolvidáveis. Em companhia de meus pais, vi aquele tempo passar rápido, sentindo cada vez mais presente a vocação para a carreira naval, que chegara muito cedo.

Na época da 2ª Guerra Mundial, flagelo para quase toda a humanidade, atraiam-me os chamados filmes de “atualidades e notícias”, principais pratos do dia nos velhos cinemas dos arredores da Praça da Sé, no centro da cidade, como o Santa Helena, Alhambra, S. Bento e outros mais. Ia com amigos àquelas sessões, que sempre terminavam com invariável e emocionante “Western” da vez. Lembro-me daquelas idas e vindas ao cinema e da atração pela Marinha como se estivesse sentindo agora.

Os colégios que frequentei em S. Paulo são outro capítulo a considerar. Restam-me ainda saudades das vetustas salas do Carmo e das “Donas” do Macedo Vieira, externato da Aclimação. O tempo foi passando. Quando meu pai encerrou os negócios que tinha em S. Paulo, decidiu que nos mudaríamos para o Rio. Fizemos a mudança e viajamos, passando a morar em Copacabana (posto 2). Aborreceu-me bastante a quase perda de contato com – para usar um termo de hoje – minha “galera”. Às tardes, depois de estudos, sentava-me num banco de pedra da avenida Atlântica e, vez por outra, via escapar-me intolerável lágrima, que não condizia com aqueles momentos institucionalmente alegres da vizinhança do mar e das meninas de Copacabana (a garota de Ipanema ainda não havia nascido).

Estudando num curso especializado e com as aulas de meu primo preparei-me para as temidas provas para a Escola Naval. Consegui passar em primeiro lugar! Tal condição de primeiro colocado dava-me a responsabilidade de, como “mais antigo”, responder pela disciplina de toda a minha turma.

Os anos que passei na Escola Naval estão, sem dúvida, entre os melhores de minha vida. Minha turma de Aspirantes (assim eram chamados os cadetes na Marinha) era (e continua sendo!) ativa e homogênea. Conviver com ela era (e continua sendo, repito!) uma satisfação que perdura até os dias de hoje, incluída neste sentimento a saudade pelos que já nos deixaram.

À formatura, ocorrida ao final de 1954, seguiram-se a viagem de Instrução, embarcados todos no velho Navio-Escola Duque de Caxias, verdadeira relíquia de guerra. Visitamos Las Palmas (nas Ilhas Canárias), EUA, Porto of Spain, Portugal, Inglaterra, França, Espanha, Alemanha, Holanda e Porto Rico. De volta ao Brasil, atracamos no Rio de Janeiro, onde terminou aquele “tour” profissional e começou a verdadeira vida para que nos havíamos preparado.

Nos anos que se seguiram, servi em muitos lugares e em diversas unidades navais. Cito expressamente Natal, onde comandei a Corveta Ipiranga e chefiei, muito mais tarde, o Estado-Maior do 3º Distrito Naval. Lá no Rio Grande do Norte conheci aquela que hoje é minha esposa e companheira de muitos anos de vida. Mas a Ipiranga foi só um começo. Depois viriam (e antes já haviam vindo) navios, forças navais, Estados-Maiores, etc.. Tive uma carreira especialmente dedicada aos Contratorpedeiros (destroyers), tendo comandado desde um só navio a um Esquadrão e à Força de todos os Contratorpedeiros da Marinha. Fui Adido Naval no Chile. Fiz os cursos da Escola de Guerra Naval, de onde também fui instrutor, tendo sempre obtido os melhores resultados possíveis.

Exerci um cargo de confiança (Diretor da Procuradoria Especial da Marinha), no qual, por motivo de saúde, solicitei exoneração.

Minha mãe faleceu em 1960. Meu pai, mais ou menos com minha idade atual. Tais perdas me afetaram bastante. Por iniciativa de meu filho, mudei-me com minha esposa para S. Paulo, onde ele mora e tem nos assistido com invulgares esforços e cuidados. Além de dispormos da notória qualidade da medicina da maior cidade do país, temos o prazer de conviver com nossa neta.

A experiência colhida em minha vida não difere daquelas de muitos mais. Recebi-a, principalmente, de meus pais e da Marinha. O que está por vir depende de Deus. A longevidade me é fruto de decisão Divina, estou certo disto; por esta razão, procuro não me preocupar com o que é inexorável.