Se aquela música diz que recordar é viver, o que pensar, então, do não conseguir perfeita lembrança de coisas e fatos?
Pode-se dizer que, neste caso, o que fica e pode, ainda que parcialmente, ser objeto de alguma lembrança, adquire muita importância. Isto é o que sinto na experiência de vida, cujo relato proponho-me a tentar nestas poucas linhas.
Primeiramente, surge minha terra, a cidade de S. Paulo dos anos 30, num cantinho da qual nasci (Aclimação) numa madrugada de densa chuva e ao alvorecer da revolução de 1932.
Andando, correndo e jogando bola naquelas ruas com nome de jóias, passei cerca de 15 anos inolvidáveis. Em companhia de meus pais, vi aquele tempo passar rápido, sentindo cada vez mais presente a vocação para a carreira naval, que chegara muito cedo.
Na época da 2ª Guerra Mundial, flagelo para quase toda a humanidade, atraiam-me os chamados filmes de “atualidades e notícias”, principais pratos do dia nos velhos cinemas dos arredores da Praça da Sé, no centro da cidade, como o Santa Helena, Alhambra, S. Bento e outros mais. Ia com amigos àquelas sessões, que sempre terminavam com invariável e emocionante “Western” da vez. Lembro-me daquelas idas e vindas ao cinema e da atração pela Marinha como se estivesse sentindo agora.
Os colégios que frequentei em S. Paulo são outro capítulo a considerar. Restam-me ainda saudades das vetustas salas do Carmo e das “Donas” do Macedo Vieira, externato da Aclimação. O tempo foi passando. Quando meu pai encerrou os negócios que tinha em S. Paulo, decidiu que nos mudaríamos para o Rio. Fizemos a mudança e viajamos, passando a morar em Copacabana (posto 2). Aborreceu-me bastante a quase perda de contato com – para usar um termo de hoje – minha “galera”. Às tardes, depois de estudos, sentava-me num banco de pedra da avenida Atlântica e, vez por outra, via escapar-me intolerável lágrima, que não condizia com aqueles momentos institucionalmente alegres da vizinhança do mar e das meninas de Copacabana (a garota de Ipanema ainda não havia nascido).
Estudando num curso especializado e com as aulas de meu primo preparei-me para as temidas provas para a Escola Naval. Consegui passar em primeiro lugar! Tal condição de primeiro colocado dava-me a responsabilidade de, como “mais antigo”, responder pela disciplina de toda a minha turma.
Os anos que passei na Escola Naval estão, sem dúvida, entre os melhores de minha vida. Minha turma de Aspirantes (assim eram chamados os cadetes na Marinha) era (e continua sendo!) ativa e homogênea. Conviver com ela era (e continua sendo, repito!) uma satisfação que perdura até os dias de hoje, incluída neste sentimento a saudade pelos que já nos deixaram.
À formatura, ocorrida ao final de 1954, seguiram-se a viagem de Instrução, embarcados todos no velho Navio-Escola Duque de Caxias, verdadeira relíquia de guerra. Visitamos Las Palmas (nas Ilhas Canárias), EUA, Porto of Spain, Portugal, Inglaterra, França, Espanha, Alemanha, Holanda e Porto Rico. De volta ao Brasil, atracamos no Rio de Janeiro, onde terminou aquele “tour” profissional e começou a verdadeira vida para que nos havíamos preparado.
Nos anos que se seguiram, servi em muitos lugares e em diversas unidades navais. Cito expressamente Natal, onde comandei a Corveta Ipiranga e chefiei, muito mais tarde, o Estado-Maior do 3º Distrito Naval. Lá no Rio Grande do Norte conheci aquela que hoje é minha esposa e companheira de muitos anos de vida. Mas a Ipiranga foi só um começo. Depois viriam (e antes já haviam vindo) navios, forças navais, Estados-Maiores, etc.. Tive uma carreira especialmente dedicada aos Contratorpedeiros (destroyers), tendo comandado desde um só navio a um Esquadrão e à Força de todos os Contratorpedeiros da Marinha. Fui Adido Naval no Chile. Fiz os cursos da Escola de Guerra Naval, de onde também fui instrutor, tendo sempre obtido os melhores resultados possíveis.
Exerci um cargo de confiança (Diretor da Procuradoria Especial da Marinha), no qual, por motivo de saúde, solicitei exoneração.
Minha mãe faleceu em 1960. Meu pai, mais ou menos com minha idade atual. Tais perdas me afetaram bastante. Por iniciativa de meu filho, mudei-me com minha esposa para S. Paulo, onde ele mora e tem nos assistido com invulgares esforços e cuidados. Além de dispormos da notória qualidade da medicina da maior cidade do país, temos o prazer de conviver com nossa neta.
A experiência colhida em minha vida não difere daquelas de muitos mais. Recebi-a, principalmente, de meus pais e da Marinha. O que está por vir depende de Deus. A longevidade me é fruto de decisão Divina, estou certo disto; por esta razão, procuro não me preocupar com o que é inexorável.
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