sábado, 25 de setembro de 2010

AOS QUE INICIAM A CARREIRA NAVAL (ASPIRANTES DA TURMA DE 51)

Que as palavras ora proferidas sejam mais do que uma saudação a vocês. Queremos que elas sirvam também como recomendações valiosas para a vida na Marinha.

Acabamos de assistir à sua entrada pelo túnel que leva até a parte mais alta da ilha de Villegaignon, os arredores do também histórico Páteo Saldanha. Ali, durante alguns anos, estarão vocês, seus corações e suas idéias; ali estará também o rústico e pesado túnel por onde sua curta marcha passou, comparável, pela grandeza que possui, à solidez e às crenças que serão apresentadas por seus instrutores, em cumprimento aos currículos escolares que aqui se utilizam e são constantemente renovados.

Vamos tratar, inicialmente, das fardas que receberam e passarão a vestir, cada uma com suas utilidades e valores representativos. Levarão elas consigo o respeito que deverá impor o seu uso. Honrá-las será sua obrigação constante, ao longo dos anos em que as vestirem.

Ligados ao uso cuidadoso do uniforme estarão sempre o respeito e obediência às ordens de seus superiores hierárquicos e o trato cordial e justo com os “mais modernos” que vocês. Lembrem-se sempre, porém, que o relacionamento militar depende de forma vital do correto uso de sua capacidade de liderança e da atenção que deve ser conferida ao futuro profissional, à carreira, e até à vida dos subalternos com quem lidarão em serviço.

Outra determinação a passar-lhes hoje é a de sempre seguir os bons exemplos. Aqui nesta Escola há inúmeros militares de excelente gabarito, cuja ação em serviço é francamente identificável. Imitá-los, sem perder sua personalidade própria, é dever daqueles que estão aprendendo.

Poderia eu prosseguir enumerando e citando muito mais recomendações e observações pertinentes a pontos básicos do cumprimento de regras de procedimentos da Marinha. Hoje, entretanto, ficamos por aqui.

Há, nos currículos de nossos cursos, instruções detalhadas que lhes serão apresentadas por instrutores de experiências vividas. Caberá a eles colocá-los inteiramente a par do que interessa, no devido tempo. Há, porém, algo a que desejo referir-me agora e finalizando minha conversa com vocês. É a conclusão que, mais cedo ou mais tarde, se fará evidente a cada um: “O navio tem alma e é a razão de ser de minhas preocupações”. E se alguém estranhar o que você afirma, apenas lhe diga que foi a vida que lhe contou.

Acho que consegui deixar clara a conclusão do que acabei de lhes falar: para o êxito naval nas diversas missões que lhes competirem, é fundamental a eficiência do binômio constituído por ambos, homem e navio, numa sólida união que componha, hoje em dia, um ingrediente tecnológico que assegure o atendimento dos propósitos desejados, em ritmo operacional moderno.

Ao trabalho, pois! E tudo para uma digna, longa e profícua carreira. Viva a Marinha!

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

ANTIGA ESCOLA DE APRENDIZES

Não era festa. Nem mesmo um preparativo de festa. Mas um nordestino ou bom conhecedor do Nordeste, mesmo de olhos fechados, poderia afirmar com segurança que aqueles aglomerados e compridas filas de jovens mostravam cenas que todos os anos, nas mesmas épocas, significavam atividades dos exames de admissão às Escolas de Aprendizes de Marinheiro. Não somente das temidas provas escritas e desportivas, mas também dos procedimentos de inscrições, preenchimentos de listas de informações e comparecimento a exames físicos e médicos, etc.
Desde os povoados distantes afluíam candidatos esperançosos, que se juntavam ao “povo” das capitais e cidades grandes como Recife, Salvador e muitas outras, todos atraídos por colocar em seus futuros aquela vontade de servir e fazer carreira da Marinha do Brasil.

Havia, dentro da burocracia usual, porém, uma folha a ser preenchida pelo candidato e destinada à recomendação do mesmo, atestada e rubricada por uma autoridade. Em tal processo via-se escrito, mais ou menos, o seguinte: “Recomendo a aceitação do candidato em epígrafe, caso aprovado quando avaliado. Opino favoravelmente quanto à sua idoneidade moral e sanidade mental – assinado por um Oficial de Força Armada, Juiz, Sacerdote, Delegado de Polícia ou detentor de cargo político/público, aqui especificado no espaço em branco”.

Naquela manhã específica que justificava nossa história, porém, o sargento Severino empunhava, para a vista de seu chefe, o Tenente Abreu, o modelo de documento no qual estava assinada a recomendação dirigida ao Comandante do Distrito Naval. Acabara de mostrar ao superior uma rubrica que se referia à anuência de um certo Juiz de ... futebol da Federação Pernambucana, o qual recomendava o ingresso na Escola de um certo candidato da terra. O auxiliar de secretaria Severino mostrava que o papel que lhes estava dirigido não podia ser avaliado, pois o candidato entendera que o Juiz ali mencionado podia ser o conhecido árbitro das canchas pernambucanas e, por outro lado, seu único signatário. Embora o desempenho, nos exames, do afilhado do Juiz alcunhado de “Dr. Watson”, fosse impecável, ele era o único informante que assinava o documento, fazendo, assim, o papel do que constava das instruções impressas. O que fazer então? O Tenente mandou que o Sargento se comunicasse com o árbitro, para que este comparecesse à Escola e esclarecesse melhor o assunto, no sentido de verem o que poderia ser feito para aproveitar o candidato a aprendiz José Amâncio.

De fato, pouco depois o Juiz chegava e, com inesperada verve, confirmava a indicação constante do papel. Aproveitando a presença do famoso árbitro, passaram o restante da tarde conversando sobre episódios do futebol pernambucano.

Hoje, passados tantos anos, o candidato a aprendiz daquele dia ostenta as merecidas insígnias de Capitão-Tenente da Marinha. E o “Dr. Watson” fez justiça às condecorações que, mais que a popularidade, no modesto caso, na verdade conhecido de poucos, o favoreceu junto às torcidas, exceto, é claro, quando uma decisão sua de gramado era tida como prejudicial.

domingo, 12 de setembro de 2010

MANOBRAS SIMPLES E SEGURAS (APARENTEMENTE)

Quando se fala em manobra perigosa, o assunto não diz respeito, necessariamente, a operações que envolvem grandes e notórios riscos. Qualquer manobra tática deve ser sempre encarada com seriedade pelo responsável, normalmente o Comandante, para que não haja danos e perdas ou outros problemas inesperados que influam nos procedimentos necessários de prevenção e/ou contenção de perigos.

Aconteceu comigo. Foi num período em que a economia de combustível era seguida e requerida; os exercícios dos navios da Esquadra eram programados com foco operacional no que devia ser evitado, como deslocamentos a grande velocidade e a ida a portos longe da sede, que fica no Rio de Janeiro. Assim, numa semana de exercícios nas imediações de Cabo Frio, os navios eram obrigados a intervalos noturnos, permanecendo parados em pontos de fundeio. Também não devia ser programada a ida a portos ou outros pontos de terra que demandassem gasto não desejável de óleo. Foi um período em que se ia, no Sul, à Ilha Grande, ou, no máximo a Santos; e, no Norte, Vitória ou Salvador. No exercício que vínhamos fazendo, a determinação, para ser mais resumido, era de que fundeássemos, às tardinhas, e passássemos as noites parados, nos arredores marítimos de Cabo Frio.

De fato, para lá fomos ao pôr do sol, porém sob um vento que boa coisa não prenunciava. Nossos três navios logo fundearam nos pontos designados, junto à terra, de tal modo que as popas ficaram a cerca de cem jardas das pedras. O CT Maranhão aproava à entrada de uma frente fria que chegava do Sul. E o nome do local em que estávamos é Enseada do Forno.

Então, com o passar do tempo, começou a aumentar o número de barcos de pesca, na mesma área em que estávamos, todos vindos de alto mar para buscar abrigo junto a nós. Se fosse necessário, de uma hora para outra, sair dali, os nossos navios iriam ter muita dificuldade, pela escassez de espaço. Por volta da meia noite, a amarra dizia francamente para vante e era visível que nossa popa (minha, do CT Maranhão) ia dar nas pedras se nada fosse feito. Resolvi, embora relutante, suspender, junto com os outros dois navios do Grupo-Tarefa, achar caminho em rumos que nos propiciassem saída, entre os pequenos, para depois ganhar (se Deus quisesse) o alto mar.

Foi altamente estressante e durou uma eternidade, mas conseguimos. Contamos com a boa vontade de dois dos pesqueiros, que também suspenderam para auxiliar nossa passagem. Mesmo assim, passamos raspando (sem bater!) algumas vezes. Quando nos vimos fora da enseada, só não suspiramos de alívio porque a adrenalina ficara muito alta, só se desfazendo com a promoção de eventos do dia que se seguia.

Lição do acontecido: manobra do navio é trabalho para gente grande e calma, verdade que nos pode incluir como preparados, naquela época.