A cada vez que aqui estou, venho buscar-me menino
e, assim, ansioso, garimpo no concreto do presente,
atrás de espaços e momentos vivos que se foram.
Procuro esses raros e preciosos mosaicos e os encontro.
Logo vejo que são fragmentos, pedaços do tempo eterno,
a espantar-me com o encanto vivo que trazem
das próprias origens renascidas.
A cada vez que aqui estou, domino, temerário,
a magia de reabrir, em suaves farfalhos, pesados e reposteiros.
Faço entrar a luz primeira e desperto de seu sono,
por instantes, pessoas e imagens
colhidas nos átimos que as fizeram perenes.
A cada vez que aqui estou, vislumbro, em êxtase,
velhos desvãos que encerram vivências antigas.
Capto, umedecido, passados véus de garoas peregrinas,
cinzentas e frias, nas tardes infinitas do princípio.
Percorro, ainda, velho forasteiro feito criança,
alamedas de fecundos verdes, cheias de sol e fresco brilho,
nas convalescentes manhãs da infância, em que –
disse o poeta ungido – morrer seria pecado.
Tudo renasce por encanto e logo se esvai,
surge só para dizer que existe e, a seguir, fenece.
Vive, enfim, a breve vida de uma eternidade suspeitada,
ante o viageiro que procura e anseia,
que busca nas raízes aconchego e redenção,
a cada vez que aqui estou.
Sergio Queiroz
terça-feira, 24 de agosto de 2010
domingo, 22 de agosto de 2010
INÍCIO DO ANO LETIVO - PERCENTAGEM DE NATAÇÃO
O início do ano letivo na escola naval (EN), na época chamado de “Curso Prévio”, foi dura amostra do que, dali por diante, nos iria ser determinado: extenso trabalho de adaptação e cumprimento das regras existentes.
A alvorada foi um expressivo começo: toque de corneta e acompanhamento de tambor às cinco e meia da madrugada, ordens verbais através do sistema de fonoclamas, a abrangerem uniforme, preparação para o “marche-marche”, café da manhã e aula de natação só para os que nadavam pouco ou nada – o que era o meu caso. Fiquei sabendo que era dado apelido de “afogado” a todo aquele a quem destinava as aulas de natação básica. Naquela tenebrosa manhã, embora ainda fosse quase noite, conheci a piscina, cuja água era salobra. Conheci também o professor de natação, o Sr. Soledade, cujos modos truculentos – vimos depois – abrigavam excepcional coração e camaradagem no trato com os aspirantes “afogados” de nossa turma, o que proporcionou uma grande amizade, que veio mais tarde, com aquele senhor grisalho de corpo atlético.
Soledade sempre andava com um inseparável caderno, onde deveria anotar faltas e observações gerais de seus alunos, levando-as ao conhecimento do Departamento Escolar. Na realidade, porém, raramente precisava levar ao conhecimento do Departamento tais observações, sabendo resolver os problemas, contornando-os, para evitar prejuízo no grau de oficialato que todos poderiam sofrer. Mas, naquele dia, aterrorizou-nos ser recebidos por um desconhecido, postado junto a um dos trampolins da antiga piscina, à nossa espera, com o famoso caderno sob o braço musculoso, apesar de seus cinqüenta e poucos anos.
Preocupo-nos, mais ainda, tomar conhecimento, naquele dia, de que, ao final de todo o curso da Escola, entre as provas, havia uma, chamada de Percentagem de Natação, que consistia em nadar 200 m num tempo indicado. Quem não preenchesse o requisito mínimo iria, simplesmente, para a rua, ou seja, perderia o esforço todo de cerca de 3 anos.
Mas nem esta ameaça, a preocupar todos os “afogados”, impediu que eu colocasse em prática um plano de não comparecer a algumas aulas de natação: após verificação, sairia sorrateiramente, entre os prédios da administração, regressando ao meu camarote no 5º andar. Foi um absurdo engano, porém, pensar que Soledade não notaria meus eventuais golpes, que também passaram a ser praticados por outros “afogados”.
Num dia em que tratava do assunto “salvamento”, eu disse uma tolice, que motivou inesperada reação do professor, ao dizer-me à frente de todo o grupo: “Seu Queiroz, nunca tente salvar ninguém, senão vão os dois para o beleléu!”. Convidou, em tom de troça, eu e os demais faltosos a falar com ele após a aula. Na conversa que teve conosco não houve troça nenhuma. O que disse nos fez termos vergonha das deslealdades que havíamos cometido e prometermos que não as repetiríamos mais. Não cumprimos todos os conselhos recebidos, mas para ele isto foi suficiente. E para nós também, pois conseguimos passar na porcentagem. É com grande honra que peço um Bravo Zulu (salva de palmas) para o Sr. Soledade, o instrutor cuja palavra corretiva vinha do coração com força moral superior a qualquer punição
A alvorada foi um expressivo começo: toque de corneta e acompanhamento de tambor às cinco e meia da madrugada, ordens verbais através do sistema de fonoclamas, a abrangerem uniforme, preparação para o “marche-marche”, café da manhã e aula de natação só para os que nadavam pouco ou nada – o que era o meu caso. Fiquei sabendo que era dado apelido de “afogado” a todo aquele a quem destinava as aulas de natação básica. Naquela tenebrosa manhã, embora ainda fosse quase noite, conheci a piscina, cuja água era salobra. Conheci também o professor de natação, o Sr. Soledade, cujos modos truculentos – vimos depois – abrigavam excepcional coração e camaradagem no trato com os aspirantes “afogados” de nossa turma, o que proporcionou uma grande amizade, que veio mais tarde, com aquele senhor grisalho de corpo atlético.
Soledade sempre andava com um inseparável caderno, onde deveria anotar faltas e observações gerais de seus alunos, levando-as ao conhecimento do Departamento Escolar. Na realidade, porém, raramente precisava levar ao conhecimento do Departamento tais observações, sabendo resolver os problemas, contornando-os, para evitar prejuízo no grau de oficialato que todos poderiam sofrer. Mas, naquele dia, aterrorizou-nos ser recebidos por um desconhecido, postado junto a um dos trampolins da antiga piscina, à nossa espera, com o famoso caderno sob o braço musculoso, apesar de seus cinqüenta e poucos anos.
Preocupo-nos, mais ainda, tomar conhecimento, naquele dia, de que, ao final de todo o curso da Escola, entre as provas, havia uma, chamada de Percentagem de Natação, que consistia em nadar 200 m num tempo indicado. Quem não preenchesse o requisito mínimo iria, simplesmente, para a rua, ou seja, perderia o esforço todo de cerca de 3 anos.
Mas nem esta ameaça, a preocupar todos os “afogados”, impediu que eu colocasse em prática um plano de não comparecer a algumas aulas de natação: após verificação, sairia sorrateiramente, entre os prédios da administração, regressando ao meu camarote no 5º andar. Foi um absurdo engano, porém, pensar que Soledade não notaria meus eventuais golpes, que também passaram a ser praticados por outros “afogados”.
Num dia em que tratava do assunto “salvamento”, eu disse uma tolice, que motivou inesperada reação do professor, ao dizer-me à frente de todo o grupo: “Seu Queiroz, nunca tente salvar ninguém, senão vão os dois para o beleléu!”. Convidou, em tom de troça, eu e os demais faltosos a falar com ele após a aula. Na conversa que teve conosco não houve troça nenhuma. O que disse nos fez termos vergonha das deslealdades que havíamos cometido e prometermos que não as repetiríamos mais. Não cumprimos todos os conselhos recebidos, mas para ele isto foi suficiente. E para nós também, pois conseguimos passar na porcentagem. É com grande honra que peço um Bravo Zulu (salva de palmas) para o Sr. Soledade, o instrutor cuja palavra corretiva vinha do coração com força moral superior a qualquer punição
terça-feira, 17 de agosto de 2010
MINHA EXPERIÊNCIA DE VIDA
Se aquela música diz que recordar é viver, o que pensar, então, do não conseguir perfeita lembrança de coisas e fatos?
Pode-se dizer que, neste caso, o que fica e pode, ainda que parcialmente, ser objeto de alguma lembrança, adquire muita importância. Isto é o que sinto na experiência de vida, cujo relato proponho-me a tentar nestas poucas linhas.
Primeiramente, surge minha terra, a cidade de S. Paulo dos anos 30, num cantinho da qual nasci (Aclimação) numa madrugada de densa chuva e ao alvorecer da revolução de 1932.
Andando, correndo e jogando bola naquelas ruas com nome de jóias, passei cerca de 15 anos inolvidáveis. Em companhia de meus pais, vi aquele tempo passar rápido, sentindo cada vez mais presente a vocação para a carreira naval, que chegara muito cedo.
Na época da 2ª Guerra Mundial, flagelo para quase toda a humanidade, atraiam-me os chamados filmes de “atualidades e notícias”, principais pratos do dia nos velhos cinemas dos arredores da Praça da Sé, no centro da cidade, como o Santa Helena, Alhambra, S. Bento e outros mais. Ia com amigos àquelas sessões, que sempre terminavam com invariável e emocionante “Western” da vez. Lembro-me daquelas idas e vindas ao cinema e da atração pela Marinha como se estivesse sentindo agora.
Os colégios que frequentei em S. Paulo são outro capítulo a considerar. Restam-me ainda saudades das vetustas salas do Carmo e das “Donas” do Macedo Vieira, externato da Aclimação. O tempo foi passando. Quando meu pai encerrou os negócios que tinha em S. Paulo, decidiu que nos mudaríamos para o Rio. Fizemos a mudança e viajamos, passando a morar em Copacabana (posto 2). Aborreceu-me bastante a quase perda de contato com – para usar um termo de hoje – minha “galera”. Às tardes, depois de estudos, sentava-me num banco de pedra da avenida Atlântica e, vez por outra, via escapar-me intolerável lágrima, que não condizia com aqueles momentos institucionalmente alegres da vizinhança do mar e das meninas de Copacabana (a garota de Ipanema ainda não havia nascido).
Estudando num curso especializado e com as aulas de meu primo preparei-me para as temidas provas para a Escola Naval. Consegui passar em primeiro lugar! Tal condição de primeiro colocado dava-me a responsabilidade de, como “mais antigo”, responder pela disciplina de toda a minha turma.
Os anos que passei na Escola Naval estão, sem dúvida, entre os melhores de minha vida. Minha turma de Aspirantes (assim eram chamados os cadetes na Marinha) era (e continua sendo!) ativa e homogênea. Conviver com ela era (e continua sendo, repito!) uma satisfação que perdura até os dias de hoje, incluída neste sentimento a saudade pelos que já nos deixaram.
À formatura, ocorrida ao final de 1954, seguiram-se a viagem de Instrução, embarcados todos no velho Navio-Escola Duque de Caxias, verdadeira relíquia de guerra. Visitamos Las Palmas (nas Ilhas Canárias), EUA, Porto of Spain, Portugal, Inglaterra, França, Espanha, Alemanha, Holanda e Porto Rico. De volta ao Brasil, atracamos no Rio de Janeiro, onde terminou aquele “tour” profissional e começou a verdadeira vida para que nos havíamos preparado.
Nos anos que se seguiram, servi em muitos lugares e em diversas unidades navais. Cito expressamente Natal, onde comandei a Corveta Ipiranga e chefiei, muito mais tarde, o Estado-Maior do 3º Distrito Naval. Lá no Rio Grande do Norte conheci aquela que hoje é minha esposa e companheira de muitos anos de vida. Mas a Ipiranga foi só um começo. Depois viriam (e antes já haviam vindo) navios, forças navais, Estados-Maiores, etc.. Tive uma carreira especialmente dedicada aos Contratorpedeiros (destroyers), tendo comandado desde um só navio a um Esquadrão e à Força de todos os Contratorpedeiros da Marinha. Fui Adido Naval no Chile. Fiz os cursos da Escola de Guerra Naval, de onde também fui instrutor, tendo sempre obtido os melhores resultados possíveis.
Exerci um cargo de confiança (Diretor da Procuradoria Especial da Marinha), no qual, por motivo de saúde, solicitei exoneração.
Minha mãe faleceu em 1960. Meu pai, mais ou menos com minha idade atual. Tais perdas me afetaram bastante. Por iniciativa de meu filho, mudei-me com minha esposa para S. Paulo, onde ele mora e tem nos assistido com invulgares esforços e cuidados. Além de dispormos da notória qualidade da medicina da maior cidade do país, temos o prazer de conviver com nossa neta.
A experiência colhida em minha vida não difere daquelas de muitos mais. Recebi-a, principalmente, de meus pais e da Marinha. O que está por vir depende de Deus. A longevidade me é fruto de decisão Divina, estou certo disto; por esta razão, procuro não me preocupar com o que é inexorável.
Pode-se dizer que, neste caso, o que fica e pode, ainda que parcialmente, ser objeto de alguma lembrança, adquire muita importância. Isto é o que sinto na experiência de vida, cujo relato proponho-me a tentar nestas poucas linhas.
Primeiramente, surge minha terra, a cidade de S. Paulo dos anos 30, num cantinho da qual nasci (Aclimação) numa madrugada de densa chuva e ao alvorecer da revolução de 1932.
Andando, correndo e jogando bola naquelas ruas com nome de jóias, passei cerca de 15 anos inolvidáveis. Em companhia de meus pais, vi aquele tempo passar rápido, sentindo cada vez mais presente a vocação para a carreira naval, que chegara muito cedo.
Na época da 2ª Guerra Mundial, flagelo para quase toda a humanidade, atraiam-me os chamados filmes de “atualidades e notícias”, principais pratos do dia nos velhos cinemas dos arredores da Praça da Sé, no centro da cidade, como o Santa Helena, Alhambra, S. Bento e outros mais. Ia com amigos àquelas sessões, que sempre terminavam com invariável e emocionante “Western” da vez. Lembro-me daquelas idas e vindas ao cinema e da atração pela Marinha como se estivesse sentindo agora.
Os colégios que frequentei em S. Paulo são outro capítulo a considerar. Restam-me ainda saudades das vetustas salas do Carmo e das “Donas” do Macedo Vieira, externato da Aclimação. O tempo foi passando. Quando meu pai encerrou os negócios que tinha em S. Paulo, decidiu que nos mudaríamos para o Rio. Fizemos a mudança e viajamos, passando a morar em Copacabana (posto 2). Aborreceu-me bastante a quase perda de contato com – para usar um termo de hoje – minha “galera”. Às tardes, depois de estudos, sentava-me num banco de pedra da avenida Atlântica e, vez por outra, via escapar-me intolerável lágrima, que não condizia com aqueles momentos institucionalmente alegres da vizinhança do mar e das meninas de Copacabana (a garota de Ipanema ainda não havia nascido).
Estudando num curso especializado e com as aulas de meu primo preparei-me para as temidas provas para a Escola Naval. Consegui passar em primeiro lugar! Tal condição de primeiro colocado dava-me a responsabilidade de, como “mais antigo”, responder pela disciplina de toda a minha turma.
Os anos que passei na Escola Naval estão, sem dúvida, entre os melhores de minha vida. Minha turma de Aspirantes (assim eram chamados os cadetes na Marinha) era (e continua sendo!) ativa e homogênea. Conviver com ela era (e continua sendo, repito!) uma satisfação que perdura até os dias de hoje, incluída neste sentimento a saudade pelos que já nos deixaram.
À formatura, ocorrida ao final de 1954, seguiram-se a viagem de Instrução, embarcados todos no velho Navio-Escola Duque de Caxias, verdadeira relíquia de guerra. Visitamos Las Palmas (nas Ilhas Canárias), EUA, Porto of Spain, Portugal, Inglaterra, França, Espanha, Alemanha, Holanda e Porto Rico. De volta ao Brasil, atracamos no Rio de Janeiro, onde terminou aquele “tour” profissional e começou a verdadeira vida para que nos havíamos preparado.
Nos anos que se seguiram, servi em muitos lugares e em diversas unidades navais. Cito expressamente Natal, onde comandei a Corveta Ipiranga e chefiei, muito mais tarde, o Estado-Maior do 3º Distrito Naval. Lá no Rio Grande do Norte conheci aquela que hoje é minha esposa e companheira de muitos anos de vida. Mas a Ipiranga foi só um começo. Depois viriam (e antes já haviam vindo) navios, forças navais, Estados-Maiores, etc.. Tive uma carreira especialmente dedicada aos Contratorpedeiros (destroyers), tendo comandado desde um só navio a um Esquadrão e à Força de todos os Contratorpedeiros da Marinha. Fui Adido Naval no Chile. Fiz os cursos da Escola de Guerra Naval, de onde também fui instrutor, tendo sempre obtido os melhores resultados possíveis.
Exerci um cargo de confiança (Diretor da Procuradoria Especial da Marinha), no qual, por motivo de saúde, solicitei exoneração.
Minha mãe faleceu em 1960. Meu pai, mais ou menos com minha idade atual. Tais perdas me afetaram bastante. Por iniciativa de meu filho, mudei-me com minha esposa para S. Paulo, onde ele mora e tem nos assistido com invulgares esforços e cuidados. Além de dispormos da notória qualidade da medicina da maior cidade do país, temos o prazer de conviver com nossa neta.
A experiência colhida em minha vida não difere daquelas de muitos mais. Recebi-a, principalmente, de meus pais e da Marinha. O que está por vir depende de Deus. A longevidade me é fruto de decisão Divina, estou certo disto; por esta razão, procuro não me preocupar com o que é inexorável.
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