A parte mais modestamente feliz de minha vida ocorreu no intervalo entre meu nascimento, numa noite – madrugada chuvosa -, na rua Jaspe, na Aclimação, e a noite em que, acompanhado por meus pais e já com 17 anos de idade, cercado do mesmo carinho paternal, tomei na Estação do Brás, o trem que me levou para o Rio de Janeiro, onde vim a entrar para aspirante na Escola Naval, o que diferenciou minha vida, em rumo certo e seguro, até os dias de hoje.
Mas voltemos aos meus dias de criança, na antiga São Paulo. A primeira coisa que me fascinou neste mundo foi o véu de garoa nas tardes paulistas, que hoje é pouco visto, embora apreciado. Não ver através da vidraça a fina cortina de água, era para mim uma decepção, inclusive porque o máximo que o clima doméstico trazia era a chegada de meu pai do trabalho, sempre empunhando o exemplar da então existente “Folha da Noite”, que continha algum estoque de desenhos em quadrinhos. A chegada do senhor Luiz, retirando no vestíbulo da sala a capa de chuva que vestia, era quase tão emocionante para mim quanto a fantasia que eu, filho único, fazia da existência de um heróico irmão mais velho, levando-me a mentir sobre a sua existência para quem não conhecia direito a família. Isto chegou ao ponto de uma professora pensar (por pouco tempo, na verdade) que eu, de fato, acreditava nesse irmão imaginário.
Meu ensino primário foi feito no Externato Macedo Vieira, ali mesmo na Aclimação, perto de casa. Ainda hoje tenho razoavelmente nítida a lembrança da Diretora, Dona Filhinha, e das professoras, podendo citar os nomes de Dona Dúlcia e Dona Cristina, a última delas ensinando no Jardim de Infância. Também, por que não eleger como personagem dessa relação o próprio inspetor municipal de ensino, homem de notáveis conhecimentos e elegância, a fazer habituais e bem-sucedidas inspeções no Externato. Hoje, eles e outros mais são grata recordação há muito não existindo para que lhes façamos personagens de nossas histórias. Saudades?
Após o término do curso primário, eu e a maior parte da turma masculina, estimulados por Dona Filhinha, fizemos exame para o Ginásio do Carmo, regido por irmãos Maristas; praticamente passamos todos. O Ginásio ficava na confluência da Rua do Carmo e o início da Avenida Rangel Pestana.
Não poderiam deixar de figurar nesse escrito, minha turma de colégio e de vizinhança de rua, assim como o futebol. Merece registro especial e plenamente verdadeiro o fato de eu, tido como um dos “pernas de pau” do terceiro ano, ter acordado subitamente e feito dois gols seguidos que deram ao time um prêmio de vencedor. Para todos foi um milagre, mas não importava: é verdade e aconteceu mesmo.
O resto são recordações que eu não poderia com certeza pormenorizar: a memória já não permitiria uma recordação fiel e “in totum”. Mas a doença que me aflige torna-se pequeno detalhe diante da prazerosa saudade que posso sentir e curtir. Afinal, há amigos e parentes a torcer por mim. Que Deus, com seus infinitos poder e vontade, haja por bem atendê-los; assina esse bebê da garoa, Sérgio Queiroz.
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