domingo, 20 de março de 2011

ACONTECEU NA LOS ANGELES DOS ANOS 1960

Na década de 60, estive em Los Angeles e em outras cidades da mesma região da Califórnia, EUA, para fazer um curso de dois meses sobre o assunto “Defesa de Porto”, ministrado em dependências da Marinha dos Estados Unidos. Entre os alunos, meu colega de turma contigua à minha na Escola Naval brasileira, o excelente amigo Fernando Holanda. Também foram junto praças de elevado conceito que trabalhavam conosco no Brasil.

Ficamos hospedados no excepcional estabelecimento naval norte-americano, o que justifica a excelente impressão que tivemos desde o primeiro momento de nossa chegada ao complexo que apresentava características notáveis, ocupando, na região da Los Angeles metropolitana, um considerável espaço banhado pelo oceano Pacífico (Long Beach).
Inicialmente, demos conta de que Los Angeles e suas vizinhanças (Beverly Hills, Hollywood, etc.) ocupavam uma área de grande extensão, sendo de se apreciar a qualidade da arquitetura residencial e também a propósitos de recreação. A contiguidade com a meca do cinema mundial faz com que não seja rara a possibilidade de encontro, nos arredores mais luxuosos, de pessoas e veículos ligados à forte indústria cinematográfica. O tráfego de veículos, diga-se de passagem, foi o maior que já vi em minha vida, deixando as ruas e avenidas abarrotadas de carros, muitos com atores e atrizes reconhecíveis.
Mas a permanência em Los Angeles não foi, como se poderia pensar, um mar de felicidade do princípio ao fim. No seu período de duração ocorreu, em Dallas, Texas, o inacreditável assassinato do presidente Kennedy. Fomos testemunhas, ao vivo, pela televisão, da morte do presidente, do subsequente assassinato de seu suposto matador por um indivíduo chamado Jack Ruby e dos demais fatos ocorridos em sequência, da mágoa e vergonha que resultaram da transmissão de tamanha atrocidade para o mundo.
Importante dizer que as notícias iniciais divulgadas não foram fiéis à verdade. Enquanto a mídia divulgava que Kennedy fora baleado mas estava vivo, ao terminarmos o almoço no curso, vimos que os navios de guerra atracados, ou fundeados na estação naval, mantinham a bandeira arreada a meio pau, em posição de luto. Uma informação para o público e outra para a realidade naval, pois. 
É evidente que certas coisas são feitas para diminuir efeitos negativos sobre a população em geral, objetivando a ordem pública. Já dizem os americanos que “the show must go on” (o show deve continuar). Um colega-aluno norte-americano não se cansava de repetir sobre a vergonha de seus compatriotas perante os estrangeiros que viam tudo aquilo acontecer na que se dizia a melhor e maior democracia do mundo.

domingo, 6 de março de 2011

MINHA INFÂNCIA EM SÃO PAULO

A parte mais modestamente feliz de minha vida ocorreu no intervalo entre meu nascimento, numa noite – madrugada chuvosa -, na rua Jaspe, na Aclimação, e a noite em que, acompanhado por meus pais e já com 17 anos de idade, cercado do mesmo carinho paternal, tomei na Estação do Brás, o trem que me levou para o Rio de Janeiro, onde vim a entrar para aspirante na Escola Naval, o que diferenciou minha vida, em rumo certo e seguro, até os dias de hoje.
Mas voltemos aos meus dias de criança, na antiga São Paulo. A primeira coisa que me fascinou neste mundo foi o véu de garoa nas tardes paulistas, que hoje é pouco visto, embora apreciado.  Não ver através da vidraça a fina cortina de água, era para mim uma decepção, inclusive porque o máximo que o clima doméstico trazia era a chegada de meu pai do trabalho, sempre empunhando o exemplar da então existente “Folha da Noite”, que continha algum estoque de desenhos em quadrinhos. A chegada do senhor Luiz, retirando no vestíbulo da sala a capa de chuva que vestia, era quase tão emocionante para mim quanto a fantasia que eu, filho único, fazia da existência de um heróico irmão mais velho, levando-me a mentir sobre a sua existência para quem não conhecia direito a família. Isto chegou ao ponto de uma professora pensar (por pouco tempo, na verdade) que eu, de fato, acreditava nesse irmão imaginário.
Meu ensino primário foi feito no Externato Macedo Vieira, ali mesmo na Aclimação, perto de casa. Ainda hoje tenho razoavelmente nítida a lembrança da Diretora, Dona Filhinha, e das professoras, podendo citar os nomes de Dona Dúlcia e Dona Cristina, a última delas ensinando no Jardim de Infância. Também, por que não eleger como personagem dessa relação o próprio inspetor municipal de ensino, homem de notáveis conhecimentos e elegância, a fazer habituais e bem-sucedidas inspeções no Externato. Hoje, eles e outros mais são grata recordação há muito não existindo para que lhes façamos personagens de nossas histórias. Saudades?
Após o término do curso primário, eu e a maior parte da turma masculina, estimulados por Dona Filhinha, fizemos exame para o Ginásio do Carmo, regido por irmãos Maristas; praticamente passamos todos. O Ginásio ficava na confluência da Rua do Carmo e o início da Avenida Rangel Pestana.
Não poderiam deixar de figurar nesse escrito, minha turma de colégio e de vizinhança de rua, assim como o futebol. Merece registro especial e plenamente verdadeiro o fato de eu, tido como um dos “pernas de pau” do terceiro ano, ter acordado subitamente e feito dois gols seguidos que deram ao time um prêmio de vencedor.  Para todos foi um milagre, mas não importava: é verdade e aconteceu mesmo.
O resto são recordações que eu não poderia com certeza pormenorizar: a memória já não permitiria uma recordação fiel e “in totum”. Mas a doença que me aflige torna-se pequeno detalhe diante da prazerosa saudade que posso sentir e curtir. Afinal, há amigos e parentes a torcer por mim. Que Deus, com seus infinitos poder e vontade, haja por bem atendê-los; assina esse bebê da garoa, Sérgio Queiroz.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

EXPERIÊNCIA PRÓPRIA VIVIDA NA AMAZÔNIA

Trata este texto da valiosa experiência e aprendizado que marcou os dois anos em que servi em Belém do Pará, na década de 1960, como assistente do Chefe e amigo Almirante Sampaio Fernandes. No comando do 4º Distrito Naval, o Almirante nos proporcionou uma experiência notável de puro ensinamento, tendo como área de jurisdição nada menos do que a imponente Amazônia.   
Durante o período que ali estivemos, ocorreram dois acontecimentos de especial importância. Um foi a tentativa da Venezuela em ocupar a Guiana Inglesa e a intervenção do exército brasileiro, em face da passagem e sobrevôo por estrangeiros em território nacional, rapidamente coibido. O incidente diplomático foi limitado pela ação brasileira, que chegou a evitar a indevida ocupação do mar territorial da Guiana Inglesa.
O outro acontecimento importante a que desejamos nos referir foi a visita de nosso presidente a pontos significativos da Amazônia, à qual estivemos presente. Ao contrário do propósito do evento mar territorial, a visita de Costa e Silva teve finalidade ampla, de caráter pacífico, visando ao desenvolvimento de nosso país, traduzido na visita presidencial a locais de especial valia para a economia nacional. Pode-se dizer que vivemos aqueles momentos com o sentimento de algo muito importante se fazia, ligado ao nosso futuro.
A par de cidades e pontos de interesse para o futuro brasileiro, percorríamos frequentemente a área de responsabilidade do 4º Distrito Naval, levando presença e apoio às populações ribeirinhas.
Voltando a vista para os locais visitados, demo-nos conta da amplitude dos locais onde estivemos, em termos de suas áreas físicas e do custo para o que nos compete defender e desenvolver. Sentimos de perto a necessidade de atenção aos grupos humanos em nossa jurisdição e quanto precisava ser feito em seu benefício. Vimos Belém, então, em sua sizudez nobre e tradicional e presenciamos o progresso que vinha sendo feito em Manaus.
Entretanto, o que nos ficou bem marcado foi a realização, a cada ano, do Círio de Nazaré, procissão que percorre a capital e é considerada a mais importante manifestação religiosa do Brasil. Pode ser contado como superior a um milhão o número de seus participantes, que são a gente do povo e autoridades, inclusive de outros estados. Assistir à sua passagem é uma experiência comovente e indicativa da grande religiosidade do povo brasileiro.  

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

SÃO PAULO: A CADA VEZ QUE AQUI ESTOU...


A cada vez que aqui estou, venho buscar-me menino
e, assim, ansioso, garimpo no concreto do presente,
atrás de espaços e momentos vivos que se foram.


Procuro esses raros e preciosos mosaicos e os encontro.
Logo vejo que são fragmentos, pedaços do tempo eterno,
a espantar-me com o encanto vivo que trazem
das próprias origens renascidas.

A cada vez que aqui estou, domino, temerário,
a magia de reabrir, em suaves farfalhos, pesados e reposteiros.
Faço entrar a luz primeira e desperto de seu sono,
por instantes, pessoas e imagens
colhidas nos átimos que as fizeram perenes.

A cada vez que aqui estou, vislumbro, em êxtase,
velhos desvãos que encerram vivências antigas.
Capto, umedecido, passados véus de garoas peregrinas,
cinzentas e frias, nas tardes infinitas do princípio.


Percorro, ainda, velho forasteiro feito criança,
alamedas de fecundos verdes, cheias de sol e fresco brilho,
nas convalescentes manhãs da infância, em que –
disse o poeta ungido – morrer seria pecado.

Tudo renasce por encanto e logo se esvai,
surge só para dizer que existe e, a seguir, fenece.
Vive, enfim, a breve vida de uma eternidade suspeitada,
ante o viageiro que procura e anseia,
que busca nas raízes aconchego e redenção,
a cada vez que aqui estou.

Sergio Queiroz